domingo, 30 de setembro de 2012

Camões e outros hispanos


São provocações amáveis, mas merecem, ainda assim, a devida réplica. Somos Todos Hispanos? - perguntam-me vários amigos. "O que queres dizer exactamente com isso? Que somos todos espanhóis? Ou, pelo menos, hispânicos?" É verdade que prezo muito Espanha, que gosto de a ter ao alcance de poucas horas, mas não, não somos todos espanhóis e há boas razões históricas para que não o sejamos.
Hispanos somos, porém. Antes de mais por essa condição, tão irreversível como a genética, que é a geografia. Hispânia, recorde-se, foi o nome dado pelos antigos romanos a toda a Península Ibérica (Portugal, Espanha, Andorra, Gibraltar e uma pequena parte a sul da França). Durante o Principado, a Hispânia Ulterior foi subdividida em duas novas províncias: a Bética e a Lusitânia, enquanto a Hispânia Citerior foi designada por Tarraconense. Como boa parte da cultura e da língua latinas, estas designações foram mantidas nos círculos cultos durante a Idade Média. João XXI, o único Papa de nacionalidade portuguesa era conhecido e passou à História da Cultura como Pedro Hispano. No século XIII, embora já estivessem delineadas as fronteiras do reino de Portugal, ninguém, nem mesmo o próprio, sentiu que fosse uma designação abusiva. Até porque a Espanha, com um "formato" próximo do que lhe conhecemos, data apenas de 1492, quando os Reis Católicos conquistaram o reino de Granada.
Hispanos somos também pelo "lado" da cultura.
Até ao princípio do século XVIII (e consequentemente até ao dealbar de nacionalismos exacerbados um pouco por toda a Europa), muitos dos nossos poetas, escritores e filósofos escreviam com igual correcção em Português e Espanhol. Gil Vicente era bilingue, Camões também, D. Francisco Manuel de Melo, nascido em plena União Ibérica, movia-se com igual à-vontade em Lisboa e Madrid. Apadrinhado por Francisco de Quevedo, os seus escritos faziam igual furor em ambas as cidades. Miguel de Cervantes, embora não tenha escrito em Português, deu várias vezes mostras de conhecer os escritores portugueses, nomeadamente Luís de Camões, a quem dedicou páginas cheias de veneração. Como se, nesse período remoto, tivesse havido duas Europas distintas: a da política, com múltiplas guerras, anexações e interesses, e a da cultura, com outros protagonistas e outras prioridades.


 

Camões y otros hispanos



Las provocaciones son encantadoras, pero no obstante, merecen respuesta adecuada. Todos somos hispanos? - preguntan muchos amigos. "¿Qué quieres decir exactamente con eso? ¿Que somos todos españoles? O, al menos, hispanos?" Es cierto que valoro España, que me encanta tener la cerca, pero no, no somos todos  españoles y hay buenas razones históricas para que asi sea.
Hispanos somos, sin embargo. En primer lugar por esta "enfermedad", tan irreversible como la genética, que es la geografía. Hispania, recordemos, fue el nombre dado por los antiguos romanos a la Península Ibérica (Portugal, España, Andorra, Gibraltar y una pequeña parte del sur de Francia). Durante el Principado, Hispania Ulterior se dividió en dos nuevas provincias: la Bética y Lusitania, mientras que Hispania Citerior recibió el nombre de Tarraconense. Como parte de la cultura latina y el idioma, estas designaciones se mantuvieron en los círculos eruditos durante la Edad Media. Juan XXI, el unico Papa de nacionalidad portuguesa fue conocido y pasado a la Historia de la cultura como Pedro Hispano. En el siglo XIII, a pesar de delineados ya los límites del reino de Portugal, nadie sentía que Hispania era una designación impropia.  España, con un "formato" más cerca do actual, sólo data de 1492, cuando los Reyes Católicos conquistaron el reino de Granada.
Los hispanos son también parientes por el "lado" de la cultura. Hasta principios del siglo XVIII (y en consecuencia a los albores de un nacionalismo exagerado un poco por toda Europa), muchos de nuestros poetas, escritores y filósofos escribian con exactitud igual en portugués y español. Gil Vicente era bilingüe, también Camões, D. Francisco Manuel de Melo, nacido en medio de la Unión Ibérica, se trasladó con igual facilidad en Lisboa y Madrid. Patrocinado por Francisco de Quevedo, sus escritos era lidos en ambas ciudades. Miguel de Cervantes, aunque non tenga escrito en portugués, demonstra conocer los escritores portugueses, entre ellos Luís de Camões, a quién ha dedicado páginas enteras de veneración. Como si en ese período remoto, hubese dos Europas separadas: una política con múltiples guerras, anexiones e intereses, y otra de la cultura, con otros jugadores y otras prioridades.